apresentação
O projeto centra-se no estudo do canto em coro amador, ou seja, em centenas de grupos corais e regentes e em milhares de elementos que integram ou integraram esses coros. Apesar da relevância musical e social dessa realidade, apenas algumas abordagens foram feitas nos últimos anos em estudos como os realizados por Maria José Artiaga 1999, Manuel Deniz Silva 2001, Helena Marinho 2009 e Pestana 2008, 2011, 2012).Esta escassez de estudos justifica-se, pelo menos em parte, por três razões principais:
- Deve-se à conotação da prática coral amadora com exercícios hegemónicos de poder tanto em regimes totalitários como no quadro de políticas de ‘moralização de condutas’ e de ‘domesticação dos populares’ segundo a ideologia burguesa dominante oitocentista (Scott 2008, 58). Esta perspectiva tendeu a enfatizar o poder “arqui-ético” da prática coral, ou seja, o modo como esta serviu para inculcar discursos e constituir “lições” de modelos hegemónicos, secundarizando esta linha de indagação outros aspectos em jogo na prática coral;
- Outra razão parece prender-se com o facto de o fenómeno coral em Portugal decorrer em diferido de outros países europeus, sugerindo o simples decalque de modelos externos ou seja, a ausência de especificidades significativas quer na sua importação quer na sua manutenção, ao longo de mais de cem anos;
- Uma terceira justificativa do pouco interesse académico pela realidade do canto em coro amador, parece prende-se com a persistência, no quadro dos estudos em música em Portugal, de um paradigma essencialista da cultura que rejeita as práticas que se encontram entre os pólos elites artístico-culturais e “povo”. De facto, a prática musical orfeónica situa-se “entre” a música erudita e folclórica, o escrito e o oral, o amador e o profissional, o tradicional e o ‘progressivo’, o urbano e o rural e caracteriza-se por ser dinâmica, híbrida e intersticial.
O estudo, que está a ser realizado no âmbito do projeto, procura compreender essa complexidade. Para tal, reúne investigadores de diversas áreas e explora um conjunto amplo de metodologias, entre as quais a aplicação de um inquérito a todos os grupos corais e maestros, a redação de biografias ou histórias de vida, e a realização de estudos de caso. A pesquisa compreende os grupos corais amadores em Portugal, excluindo deste âmbito aqueles cuja actividade principal se circunscreve à prática religiosa ou ao ensino formal de música. Abarca o período entre 1880, data da fundação do Orfeão Académico de Coimbra e 2014.